segunda-feira, 9 de novembro de 2009

M170 - A minha poesia em África - GUINÉ (DO CUMERÉ A BRÁ)


GUINÉ - DO CUMERÉ A BRÁ

Os perigos eram muitos, mas… lá os íamos dobrando…
O maior inimigo era o tempo... interminável...
Cada dia parecia-nos um longo ano bissexto…
Mas o pior eram… as saudades… algo inenarrável!


I
O avião aterra lentamente
Lá fora vejo... uma tabanca?
Não!... aquilo ali, era Bissau!
O aeroporto de Bissalanca

II
Desci os degraus e olhei em volta
Terra estranha de tom encarnado
Paisagem monótona e agreste
Céu cinzento todo enevoado
III
O ar quente e muito húmido
Estava sereno e agradável
Era Julho de setenta e quatro
O ambiente turvo... insondável

IV
Embarcamos rumo ao Cumeré
Numa coluna de viaturas
E... pelo caminho... tudo igual!
Diferentes, só as criaturas…
V
Pretos e pretas com o peito ao léu,
Trouxas à cabeça e filhos em redor
Aqui, e além, malta fardada
Ao longe, o rufar de um tambor

VI
Encravado na ruidosa “Berliet”
Observei curioso aquela terra
E imaginei os sacrifícios
Daqueles onze anos de guerra
VII
Os múltiplos cursos de água…
A vegetação densa e rasteira…
E... a bolanha... negra e insalubre!
Qual deles a maior ratoeira?

VIII
Futa-Fulas, Balantas, Mandingas…
Como diferenciar o inimigo?
Papéis, Futas, Manjacos, Bijagós…
Serão os Fulas, o maior perigo?
IX
Mas se confusas eram as etnias
Maior era a divisão com as religiões
E, assim, uns milhares de negros
Pareciam-me demasiados milhões

X
Animistas, Muçulmanos e Cristãos
Dos quais alguns eram senegaleses…
Pelo meio… muitos cabo-verdianos…
Além de sírios e libaneses!
XI
Os abutres a esvoaçar por cima…
Os mosquitos na pele a picar, e…
Os répteis por ali à nossa volta…
Não aliviavam o mal-estar

XII
As temíveis doenças tropicais
O paludismo tão debilitante
As disenterias e as hepatites
Qual delas a mais fulminante?
XIII
Enfim, surge um aglomerado
De pavilhões pré-fabricados
“Cumeré” dizia uma placa
Havia mato por todos os lados

XIV
Após alojado e alimentado
Acerquei-me da cerca de arame
E pelo que vi, constatei arrepiado;
“Isto aqui era o nosso Vietname”
XV
Dei umas voltas pelas tabancas
Naqueles dias de aclimatação
Os “velhinhos” gozavam e diziam;
- Viv’à liberdade de circulação!
XVI

E, continuavam com as “bocas”;
- Ó “periquitos” que por aí andais...
Aí fora, há umas semanas atrás...
O “turra comia-vos” tal com’estais!
XVII
Aqueles “velhinhos” enrugados
Tez enegrecida e voz de “bagaço”
De idade, vinte e poucos anos
Pareciam talhados de puro aço

XVIII
Um dia, novo destino: Mansoa!
Er’a hora de rendermos o Batalhão
Depois... entregar tudo ao PAIGC!
Foi a nossa derradeira missão!
XIX
Sacos às costas, novo local: Brá!
Pr’ó Batalhão de Engenharia
Lá se passaram mais uns dias, e…
O regresso, breve acontecia

XX
Já a bordo do “UÍGE” medito;
«África atrai de modo anormal…
Aventura?... Novos horizontes?…
Julguei que, saudades, só de Portugal!»
XXI
O povo, os seus costumes, a terra?…
A mística atracção africana?
Tanto se fala dela, ninguém a vê!
Descrevê-la? Talvez p’ra semana!

XXII
Caramba! Mas se era assim tão mau!
Para quê, falar tanto... naquela Guiné?
Porquê saudades?... Voltarei ali um dia?!
Doença... tara... ou que raio isto é?!

RANGER Magalhães Ribeiro Furriel Mil.º da CCS BCAÇ 4612/74
Mansoa/Guiné

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